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OPINIÃO

Os 70 anos da Agremiação Goiana de Teatro (AGT) e o sonho de Otavinho Arantes

O trindadense Otavinho Arantes foi o nome singular do teatro em Goiás. Sua história se confunde com a história das artes teatrais na nova capital de Goiás. Ele nasceu no Largo da Matriz da cidade do Divino Pai Eterno, Trindade, em 1922, filho de Otávio Batista Arantes e Maria Aurora da Conceição Arantes. Sua vida, dedicada às artes teatrais, encerrou-se tragicamente em 1991, aos 69 anos, num atropelamento em Brasília, onde estava lutando por verbas para sua AGT. A Agremiação Goiana de Teatro foi fundada por ele em 01 de maio de 1946, há exatos 70 anos.

Seu objetivo inicial era a difusão das artes cênicas em Goiás com a construção de um teatro e uma escola de arte dramática. Havia, no currículo dessa Agremiação, a leitura e encenações de peças, exposições, conferências e excursões. Em 1959, a AGT foi considerada Entidade de Utilidade Pública e os seus objetivos foram em grande maioria alcançados, mas tudo a custa de esforço, dificuldade e muitas lutas.

Luta incansável do ilustre trindadense que tudo fazia para levar adiante o seu ideal. Ele começara mesmo em Trindade, ainda na Igreja do Divino Pai Eterno, com o incentivo do Padre Pelágio, encenando peças de caráter religioso. A princípio, seu pai, que era tabelião na cidade, não apreciava essas participações, já que artista não era bem visto naquele tempo.

Sua mãe, Maria Aurora da Conceição Arantes, fora professora primária em Trindade, na “Eschola do Sexo Masculino”, como se grafava e, também, apreciava o teatro. Mas ela morreu de febre puerperal do parto de Elza Arantes Ludovico de Almeida, sua irmã caçula, quando Otavinho tinha quatro anos. Era o ano de 1926, há exatos 90 anos.

Otavinho, com seus irmãos Lúcio e Elza, passaram a morar com o avô materno, coronel Antonio Francisco Ottoni e Bellarmina Magalhães Ottoni no Largo da Matriz de Trindade. A avó, mansa e acolhedora, tudo fez pelos órfãos, dando-lhes carinho e devotado amor, além de cultura religiosa e social.

Foi nesse cadinho de muito aconchego que Otavinho Arantes iniciou seu amor ao teatro. O grande quintal do casarão dos avós era palco para suas primeiras peças e apresentações. Seu pai se casou novamente, em 1929, com a professora e depois deputada estadual, a brilhante Almerinda Magalhães Arantes. Desse casamento nasceram outros dez filhos!

Os órfãos ficaram mesmo a cargo da avó devotada e segunda mãe, que tudo fez para que estudassem e fossem grandes cidadãos, como foram. Todos estudaram e foram brilhantes em suas carreiras. Os avós morreram em 1942, ano do Batismo Cultural de Goiânia.

Foi nessa nova cidade, carregada de ideais, que o trindadense ilustre deu vazão ao seu irrequieto espírito de artista.

A Agremiação Goiana de Teatro desde sua fundação cumpriu rigorosamente o programa para o desenvolvimento do teatro em Goiás. De 1963 a 1978, teve excelente programação. Otavinho Arantes, sempre adiante de todo o projeto, desfiava as horas de sua existência em prol de uma atividade artística e a profissionalização das artes cênicas, o que era deveras difícil.

Com o término da construção do Inacabado a primeira peça encenada foi O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, que fez grande sucesso. Foram muitos os pedidos de ocupação do espaço que não tinha o destino comercial, mas as Companhias, os Grupos Teatrais do Rio de Janeiro, São Paulo e de outros Estados solicitaram o Teatro, a todo custo, para as suas encenações. Mesmo sem sujeitar a “vestir a roupa” de empresários, a AGT acabou por ceder e o Teatro e este viveu dias gloriosos, pisando o seu palco, os nomes mais famosos da ribalta brasileira.

O Cine Teatro Goiânia inaugurado em 1942, exatamente há 74 anos, pela Cia. Eva Todor, com a peça “Colégio Interno”, de Luiz Iglésias, já se tinha transformado num autêntico “poeira”. Otavinho Arantes solicitava dos governadores que restaurassem o Cine Teatro, com instalações técnicas completas, dignas das melhores casas de espetáculos do país. Coube ao Governador Irapuan Costa Júnior essa façanha que, num gesto digno, resolveu levar avante a empreitada. E a 15 de março de 1978 inaugurava-se o novo Teatro Goiânia.

Fundada por Otavinho Arantes, a AGT começou no Liceu, onde um grupo de alunos tentava ensaiar uma peça. Tratava-se de Maria Cachucha, de Joracy Camargo. O movimento frustrou-se. Numa daquelas reuniões Otavinho Arantes apareceu já com uma peça copiada e fez a distribuição dos papeis. A peça era O Príncipe Encantado, de Luiz Leandro. Esta, com êxito, foi ensaiada e encenada.

A seguir, Otavinho arregimentou novo elenco entre os alunos do Liceu e ensaiou Pertinho do Céu, peça de José Wanderley e Mário Lago. Este era o embrião da AGT, formada inicialmente com os nomes de Paulo dos Reis, Luzia Coelho, Otavinho Arantes, e José Prates. Organizada a instituição, seus estatutos foram aprovados no ano de 1949.

Depois da primeira peça, a AGT teve uma infinidade de outras encenadas; foram feitas as mais diferentes experiências; encenou-se os mais diferentes gêneros; autores nacionais e estrangeiros foram representados.

Peças encenadas pela AGT: “Pertinho do Céu” de Mário Lago e José Wanderley; “O inimigo íntimo” de Pacheco Filho; “Sinhá moça chorou” de Ernani Fornári; “Terra Natal” de Oduvaldo Viana; “Joaninha Buscapé” de Luiz Iglesias; “A Mulher do Padeiro” de Giono; “Carlota Joaquina” de R. Magalhães Junior; “A cigana me enganou” de Paulo Magalhães; “Antígona” de Sófocles; “O Pedido de Casamento” de Tchecov; “O Banquete” de Lúcia Benedetti; “Massacre”, de Roblès; “Luz de Gás” de Patrick Hamilton; “Avatar” de Genolino Amado; “Lampião” de Raquel de Queiroz; “O Discípulo do Diabo” de Bernard Shaw; “O Idiota” de Dostoiewski, “Pigmalião” de Bernard Shaw, “Édipo Rei” de Sófocles”, “O homem e as armas” de Bernard Shaw, “A canção dentro do pão” de R. Magalhães Junior; “O auto da Compadecida”, “Eles não usam black-tie” de Gianfrancesco Guarnieri; “Gringoire” de Banville; “O Pagador de Promessas” de Dias Gomes; “A Carteira” de Mirbeau; “Escurial” de Gelderode; “Macbeth” de Shakespeare; “Tempo de Amar” de Lena Castelo Branco Ferreira Costa; “História do Zoológico” de Edward Albee; “Bodas de sangue” de Garcia Lorca; “Auto da Compadecida” (2ª versão), “A margem da vida” de Tenessee Williams e “Condenado ao Inferno” de Renné de Obaldia, entre outras.

O Teatro Inacabado nasceu do ideal de Otavinho Arantes de construir para Goiânia uma casa de espetáculos que servisse para apresentação de peças e de local para sede da AGT. De uma sala improvisada no Museu Estadual, cedida pelo professor Zoroastro Artiaga, depois desalojados pela nova direção; a seguir uma sala no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, alojados pelo dr. Colemar Natal e Silva, a AGT foi uma instituição sofredora.

Na verdade, tudo aconteceu precariamente, até que um dia, Zoroastro Artiaga, diretor do Museu Estadual, passando pela Praça Cívica, deparou com o Grupo da AGT que ensaiava dentro de uma das fontes luminosas da praça, que se encontrava desativada.

O doutor Zoroastro, preocupado com o que vira, aproximou-se do grupo e foi logo dizendo: – Vocês não podem continuar dessa maneira, sem local para suas reuniões. Vou acomodá-los numa salinha que mantenho no museu e que no momento está desocupada.

Era uma salinha estreita que se comprimiu entre duas outras, no primeiro andar. Lá foi depositado todo o material de que dispunha a AGT e que já começava a se avolumar, até que, um dia, Otavinho, numa de suas visitas diárias à “sede” deparou, ao adentrar o museu, com todo material amontoado no saguão de entrada.

A nova diretora do Museu havia ordenado que fosse desocupada a sala e que todo material da AGT fosse posto “lá em baixo”. Chovia copiosamente naquele dia e Otavinho ficou sem saber o que fazer. Procurou, de imediato, o doutor Zoroastro que, mais uma vez, alojou a AGT, desta feita, numa sala em que já se alojava uma Entidade Estudantil, nas dependências do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, naturalmente, com a aquiescência do doutor Colemar Natal e Silva, outro grande amigo do nosso teatro.

Ali, permaneceu a AGT por alguns meses, até que, já dispondo de algum numerário, pode alugar uma pequena sala na Avenida Anhanguera, nas proximidades do Cine Teatro Goiânia, onde Otavinho com seu grupo realizava suas reuniões e seus ensaios, até que, promovendo campanhas, promoções de rifas, realizações de festas, encenações de peças, realizações de concursos, listas de contribuições, enfim, tudo que rendesse dinheiro, pôde Otavinho dar início às fundações da construção da tão almejada Casa de Espetáculos, que viria passaria à posse definitiva da Agremiação Goiana de Teatro.

No referido terreno havia uma invasão. Otavinho procurou o invasor e propôs-lhe uma solução amigável, dando-lhe, em troca, dois lotes de terra, que lhe foram oferecidos pelo Departamento de Terras do Estado, para que o problema fosse resolvido.

Foi necessário, então, que se produzissem uma Ação de Imissão de Posse que, quatro anos depois foi ganha pela Agremiação Goiana de Teatro. Tudo depois de desgastes e dificuldades. Assim que o invasor deixou o lote, Otavinho mandou limpar, imediatamente o terreno e poucos dias após, eram iniciados os trabalhos de fundação do futuro Teatro. Tal fato ocorreu nos primeiros dias de 1960, há mais de 50 anos.

Outro problema é que o terreno naquele tempo era alagadiço e foi necessário um gasto extra para drená-lo e levar toda a água da mina que ali corria para o Córrego Capim Puba. Nas Fundações, foram aplicadas 15 estacas de concreto e as demais de aroeira, já que não dispunha a AGT do numerário suficiente para o gasto total com o concreto. Todas essas madeiras foram conseguidas na base de doação, depois de sacrifícios imensuráveis.

Em 2 de fevereiro de 1963 foi sua estreia. A primeira peça era ali apresentada sem nenhuma condição de conforto para os espectadores que, na estreia, se acomodaram em cadeiras que se distribuíram no salão, e sobre tábuas acomodadas empilhadas de tijolos. Tudo de forma ainda carente e improvisada.

Numa reforma, anos depois, por necessidade, foi providenciada a mudança de seu telhado que era de alumínio, para telhas de amianto. E um operário, descuidando-se, deixou cair solda elétrica na ponta do pano de boca do palco do teatro. Foi um incêndio apavorante. No pensamento atordoado de Otavinho Arantes era o fim.

O grande baluarte das artes teatrais foi auxiliado pelo então governador e seu xará, Otávio Lage e por uma comissão de professores da UFG. Com mais sacrifícios e agruras, empréstimos e lutas, o teatro foi reconstruído. Em 5 de julho de 1969, data do Batismo Cultural de Goiânia, o Inacabado foi reinaugurado. Este funcionou com momentos de alegria e somados a outros de muita tristeza pelo descaso pelo teatro, em que Otavinho lutou com afinco até 1991.

Depois de sua morte o teatro Inacabado ficou abandonado. Toda a população acompanhou alarmada a tristeza do fim do local. Ali se tornou espaço de refúgio de bandidos e usuários de drogas, com grande perigo social. Em 1993 um grupo de artistas tentou reviver o Inacabado, mas foi sem sucesso. O mesmo foi lacrado e abandonado novamente.

Só recentemente, em 2010, após quase 18 anos sem uso, o Teatro Inacabado retornou ao cenário de nosso mundo cultural, restaurado conforme projeto da Agepel. Administrado pela Associação Cultural Otavinho Arantes, o mesmo se apresenta novo, com possibilidades de continuar a ser o que o admirável pioneiro trindadense um dia sonhou.

70 anos da AGT. Há nesse marco, uma história de lutas e desafios! O grande mal é que ninguém ou pouca gente se lembra. O grande erro dessa geração é não mais sentir saudade. Esta parece ser uma palavra riscada do dicionário, como asseverou uma das mais bonitas personagens de nossa literatura, a dona Lola, de Éramos Seis, romance de Maria José Duprè.

Mas muito ainda terá que ser dito sobre Otavinho nesses 70 anos de seu sonho, seu ideal e sua luta pelas artes cênicas de qualidade em Goiás.

(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado é graduado em Letras e Linguística pela UFG, pós-graduado em Literatura Comparada pela UFG, mestre em Literatura pela UFG, mestre em Geografia pela UFG, doutorando em Geografia pela UFG. Escritor, professor e poeta). [email protected])

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